segunda-feira, 4 de novembro de 2019

Passado

Um homem de terno olha o relógio, no lado externo de uma sorveteria. Outro, de roupa de academia, passa ao lado. Para, franze a testa e se vira para o primeiro.

— Caralho, Marcão! Quanto tempo, bicho. Todo na beca! Nem parece aquele loucão que pegava as menininhas nas festas.

O homem de terno olha para trás e, depois, de volta para o interlocutor.

— Você está falando comigo?

— Porra, Marcão! Claro. Lembra não? A gente apostava quem se dava melhor, mas tu sempre se superava. Cara, tu pegou até a dona do puteiro. Tu é foda mermo!

— Eu?!

— É, Marcão. Agora vem dar uma de santinho? Pra cima de mim, pô?! Deixa disso.

— Tem certeza que não está me confundindo? — pergunta, enquanto o outro mexe no celular.

— Ei, vamo tirar uma selfie? Não posso perder essa oportunidade de impressionar a galera daquela época. Marcão, Marcão, o terror das xoxotas. Ê, bagaceira! — fala, dando um soco de leve no braço do outro. — A gente tem um grupo, sabia? Por que você não tá? Tá todo mundo lá, pô: o Pedrão, o Serjão, o Paulão — diz, contando nos dedos. Depois, fica ao lado do interlocutor e tira foto, mostrando os músculos para a câmera. — Mas o quê que aconteceu mermo, Marcão! Tu tá muito certinho, pô. Virou pastor, foi?

— De modo algum, meu caro — responde, enquanto um terceiro chega e lhe dá um selinho.

O outro se afasta do casal.

— Oi, amor. Desculpa o atraso — fala e olha para o homem de regata. — Quem é? De longe, pareceu ser um amigo de longa data.

O homem de terno faz menção de responder, mas é interrompido pelo outro.

— Não, não. Eu só ia pedir uma informação: se eu pegar essa rua e ir direto, eu vou dar onde mermo?

* Este conto foi selecionado para publicação na antologia Mnemephile.

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