quarta-feira, 4 de março de 2020

Mata


Quando era pequeno, sua mãe o embalava na rede, enquanto entoava uma canção de ninar que contava a história da Mãe do Mato: uma criatura que fazia pessoas que não eram bem-vindas se perderem na floresta. Ele dormia e acordava e, mesmo de olhos abertos, tinha pesadelos.

A Mãe do Mato não saía da sua cabeça. Celso cresceu e, com ele, o seu medo se transformou em repulsa: pela Mãe do Mato e por tudo aquilo que a ela se relacionasse. Diferente de seus pais, não queria ser lavrador. Foi para a capital e se tornou dono de uma madeireira.

Anos depois, pisava novamente naquelas terras. Voltara à cidade natal, a trabalho, para coordenar a derrubada de madeira de lei da melhor qualidade, recém-descoberta em mata fechada.

Partiram. Lá, Celso, de longe, observava o início dos trabalhos. Dava ordens e as via serem executadas. A equipe, pouco a pouco, adentrava a mata mais e mais. Até que já não era possível ouvi-los de onde Celso estava. Aquele silêncio era perturbador. Eles já estavam demorando muito e Celso resolveu procurá-los, para saber o que acontecia, antes que anoitecesse. Por segurança, entrou na mata com um motosserra nas mãos.

Não os encontrou. Caminhava, caminhava e parecia voltar sempre ao mesmo lugar. Já não sabia onde estava. Perdera-se. Ouviu um barulho, que parecia vir ali de perto, de alguém que se escondia entre as folhagens. Perguntou duas vezes “quem é?”, mas não obteve resposta. Foi quando viu, por trás das árvores, uma pessoa de cabelos ruivos compridos, encolhida, como se não quisesse ser vista. Mas se viram. E quando se viram, gritaram de susto, ao mesmo tempo. Passados alguns segundos, Celso tentou fazer contato:

— Quem é você?

A mulher não respondeu. Celso, então, se apresentou: disse quem era, de onde vinha, falou de seus pais e lembrou até a canção que sua mãe entoava para ele dormir.

Refeita do susto, a mulher, que estava em um vestido feito de um tecido incomum, disse, enigmática:

— Então, é você... — Celso olhou-a sem entender. Ela continuou: — Eu sempre soube que um dia nos encontraríamos. — Celso repetiu a pergunta:

— Mas quem é você?

— Eu tenho muitos nomes, mas você pode me chamar de Mãe do Mato.

Atônito, Celso nada dizia. Nem, ao menos, tinha certeza se podia levar aquela mulher a sério.

— Quando eu era criança — disse ela — minha mãe me contava histórias horrendas sobre um monstro sem coração que anda sobre duas pernas e assassina árvores, sem motivo. Ela dizia que, com suas máquinas de guerra, esse monstro derruba a casa de milhares de animais indefesos, provocando morte e dor. Eu sempre tive medo desse bicho, que minha mãe chamava de ser humano. Um dia, vi meu pesadelo virar realidade: minha casa foi destruída, meu mundo foi devastado, e ninguém me perguntou o que eu pensava nem me explicou o porquê de tudo aquilo. E, agora, vivo fugida, a me esconder atrás das poucas árvores que ainda restam.

Ao ouvir aquelas palavras, Celso chorou e largou o motosserra no chão. Já não tinha medo da Mãe do Mato. E nem ela, dele. Celso prometeu que nunca mais a faria mal. Em retribuição, ela o ajudou a encontrar o seu caminho. Não estava mais perdido. Depois dali, fechou a empresa. Já não via sentido em tratores e motosserras. Naquele ano, prestou vestibular para Gestão Ambiental.

* Este conto foi selecionado para publicação nas revistas Recorte Lírico (2ª ed.) e LiteraLivre (nov./dez. 2019).