Acordei sem ar. Tossi algumas vezes na tentativa de expelir toda aquela terra alojada nos meus pulmões. Saí dali sem olhar para trás. Andava nas ruas sem rumo, mas na esperança de me lembrar de meu endereço ou de que alguém me reconhecesse.
Eu não entendia por que todos me olhavam, mas, quando eu me aproximava, se afastavam, viravam a cara, faziam feição de nojo ou fingiam não me ver. Tudo aquilo era porque minhas vestes estavam sujas de terra?
Resolvi pedir informação a uma desconhecida na parada de ônibus. Distraída que estava, ao notar minha presença, ela gritou e correu. Novamente, eu estava só. E ainda sem lembrar onde morava.
Decidi voltar ao lugar onde acordara naquela manhã. Lá, passei pela entrada principal e pelos dormitórios enfileirados onde repousavam meus vizinhos temporários. Acima do lugar onde despertara naquele dia, vi uma cruz de madeira com o meu nome. Lembrei quem era e onde ficava minha casa.
Não demorei a chegar. Bati à porta e sorri, ao rever um rosto com feições que lembravam as minhas. Ela fechou a porta na minha cara, não sei se por não me reconhecer ou, exatamente porque, ao me reconhecer, sentiu vergonha de mim. E eu nem cogitara pedir a ela que me ajudasse a entender porque continuava atormentado por aquela sensação de que fora enterrado vivo.
Pela segunda vez no dia, voltei ao cemitério, mas não queria dormir de novo naquela mesma cova. Sentia a vida pulsar em mim como nunca. Do lado de fora, encontrei um homem deitado no chão. Sentei ali perto. Ele me ofereceu cachaça. Eu aceitei. Tinha frio.
— Sabia que aqui foi o único lugar de onde ninguém me expulsou? — confidenciou-me o meu mais novo melhor amigo.
Ali estava eu, acolhido por aquele desconhecido que pouco se importava com minhas roupas sujas e malcheirosas, ou mesmo com minha carne em estágio inicial de putrefação e larvas vivas a se alimentarem do meu rosto.
* Este conto foi selecionado para publicação pelo Concurso Cultural "Covil da Discórdia" de Minicontos - 2ª edição.
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