Quando
criança, ele colocava no dedo um lacre de lata de refrigerante e brincava que
era seu anel de doutor. Décadas depois, após receber o diploma de médico, no
fim da cerimônia de formatura, sua mãe lhe pôs em um dos dedos um anel dourado
com uma pedra esverdeada. A mulher ostentava um vestido simples, mas digno, e o
orgulho de ver Lázaro se tornar o primeiro médico da família.
Na
hora, ouviam-se risos de galhofa vindos da primeira fileira do auditório, onde
estavam os mais novos médicos da cidade, de beca, por cima de black ties feitos sob medida. Eram os
mesmos que no primeiro dia de aula na faculdade riram de Lázaro, por ser ele o
único da turma a não trajar jaleco branco e ainda chegar à sala com respingos
de cimento na calça jeans surrada.
Na
saída da cerimônia, lá estavam reunidos os mesmos de sempre. Quando Lázaro e
sua mãe passaram próximo ao grupo, uma voz perguntou capciosamente:
—
Lázaro, e aquele anel... é de ouro ou de lata?
A
pergunta foi seguida de uma longa gargalhada geral da turma. Lázaro olhou a
mãe, visivelmente constrangida. Olhou o anel que acabara de ganhar e viu nele o
reflexo de si próprio ao lado dela. Aquela imagem, na sua cabeça, se fundiu à
outra, do passado: o jovem enxergou-se, ainda criança, acordando cedo para ir à
escola com a mãe. O colégio ficava a quilômetros de casa. Lázaro passava o dia
todo lá. Antes de anoitecer, ela voltava para pegá-lo, na mesma bicicleta
adaptada para coletar latas de alumínio. Depois de um longo dia de trabalho, o
meio de transporte e sustento da família estava repleto de latinhas.
Lázaro
subia no guidão e, ao longo do trajeto, contava empolgado o que aprendera
naquele dia. Em casa, ajudava a amassar as latinhas que a mãe vendia para a
reciclagem.
Foi
graças a esse dinheiro que Lázaro ganhou seu primeiro tênis, seu primeiro
caderno e comeu salada pela primeira vez. Foi com aqueles trocados que ele pôde
pagar, por anos, o ônibus para frequentar o Ensino Médio e depois garantir a
inscrição no vestibular e comprar os livros recomendados pelos professores da
graduação.
Inegavelmente,
a lata fazia parte de sua vida mais do que ele pensava: estava em tudo o que
Lázaro tinha, sabia e havia se tornado. Ia além dos copos de alumínio que sua
mãe fabricava artesanalmente para juntos tomarem café todas as manhãs. Não
fossem as duas, sua mãe e a lata, Lázaro não teria chegado tão longe.
Com
a pergunta do “colega” a lhe martelar a mente, ele segurou forte a mão da mãe e
ergueu a cabeça. Olhou nos olhos daquele que lhe perguntava se seu anel era de
ouro ou de lata e respondeu:
—
É de lata, com muito orgulho!
* O conto 'Anel de Lata' foi selecionado para publicação na revista LiteraLivre (8ª ed.).
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