quarta-feira, 31 de maio de 2017

Kitiama para sempre



Quando E. L. E. nasceu, não chorou. Sorriu. De certo sabia o que viria pela frente. E. L. E. seria a cobaia, melhor dizendo, o grande felizardo a participar de um projeto-piloto que o beneficiaria por toda a vida com programas sociais do Governo.
A ideia do projeto saiu da mente brilhante do grande idealista Governador S. R. Kitiama. Governador atualmente. Porque ele já tinha sido prefeito, deputado, senador e, ao que tudo indicava, tinha tudo pra ser o próximo presidente da República.
E nada mais justo que homenageá-lo dando aos projetos sociais o nome dele, que era o pai da ideia. E assim, Kitiama foi criando as ações de Governo: Kit Educa, Kit Emprega, Kit Aposenta. E se o projeto-piloto desse certo, num futuro bem próximo, não teria quem no mundo não fosse contemplado com o programa, batizado de Kit Ajuda Eternamente.



E. L. E. mal abriu os olhos e já lhe puseram na boca uma teta cheia de leite. Era a primeira ação de Governo que o beneficiava: o Kit Amamenta. Depois veio o Kit Põe Pra Arrotar, o Kit Acalenta, o Kit Aquece e o Kit Banha.
E a cada passo que E. L. E. dava, sentia o apoio incondicional do Kit Segura Pela Mão, do Kit Guia e até do Kit Deixa Andar Com As Próprias Pernas. Mas E. L. E. queria mais. E o Kit Deu. E o Kit Fez Pensar Que Aquilo Nunca Mais Ia Ter Fim.
E E. L. E. percebeu que não era igual a todo mundo, porque só com E. L. E. estava o Kit Faz Diferente. Mas aí, E. L. E. pensou: do Kit Adianta Ter Tudo Kit Dá Na Telha se nada disso é o Kit Faz Feliz?
Mas isso tudo já tava ficando muito perigoso. E, pra ser sincero, o pessoal lá de cima achou E. L. E. muito mal agradecido. E a frase que mais se ouvia era: o Kit Garante que o Kit Ensina A Pescar é o Kit Te Ajuda Mais que o Kit Dá O Peixe?
Ora, um projeto daqueles não poderia ir pro buraco só porque um tal-de-não-sei-o-quê não entendeu a grandiosidade da proposta. Afinal, se E. L. E. não queria, que desse lugar pra outro. Porque a fila não para de crescer e nunca falta quem queira. E pra dar um fim na história, resolveram dar a E. L. E. os últimos benefícios a que tinha direito: o Kit Faz Dormir o Sono Eterno e o Diabo Kit Carregue.



* O conto 'Kitiama para Sempre' foi publicado no livro Retalhos III, organizado pelo escritor Aroldo Pinheiro. 

segunda-feira, 29 de maio de 2017

A Língua do Inho


Anita era uma criança de olhos e orelhas bem grandes e reparava em tudo o que os adultos faziam e diziam. Uma coisa ela não entendia: por que gente grande fala palavras enormes e complicadas?

Certa vez, uma amiga de sua mãe, quando esteve na casa da família, veio com umas dessas:

— Qual o nomezinho dessa garota fofinha?

— O quê?

— O seu nome...

— Ah, é Anita.

E quando a menina foi conhecer o trabalho do pai, então... nem imaginava o que ouviria:

— Quantos aninhos tem essa menininha linda?

— Como?

— Quantos anos você tem?

— Ah, quatro.

Anita não queria crescer nunca. Adultos falam uma língua estranha, que ninguém entende. A garota não queria ser obrigada a repetir várias vezes a mesma coisa para que as outras pessoas saibam o que ela diz. Nem se imaginava falando que todos os diazinhos, acordava cedinho para ir ao trabalhinho e depois voltava à sua casinha. Adulto complica tudo!

Para ela, estava de bom tamanho chamar o sol de sol, a rua de rua e o avião de avião. Anita achava o fim ter que colocar inho e inha no fim de cada coisa. Isso ela não fazia e estava muito feliz assim.

Depois de pensar nessas coisas todas, Anita agradeceu a Deus por ser criança e dormiu como um anjo na sua caminha. Quer dizer, na cama onde só havia espaço para ela e os seus sonhos de menina.

* O conto infantil ‘A Língua do Inho’ foi selecionado para publicação pelo 1º Prêmio Literário Línguas&Amigos – Projeto de Incentivo à Leitura 2016, promovido pelo projeto Língua & Amigos e pode ser acessado no site do projeto.

** Leia outro conto infantil do mesmo autor: 

quinta-feira, 25 de maio de 2017

Jornalista vale alguma coisa?


Tem gente que não vale nada. Mas todo mundo tem um preço. Como diria ACM, não dê dinheiro ao repórter que quer informação, nem informação ao repórter que quer dinheiro. Mas, afinal, quanto vale um jornalista?

Lembro que li uma vez: R$ 30 mil. Não! R$ 30 mil não é o valor médio da propina ou jabá devidamente tabelados pela categoria. Muito menos é o salário pago ao trabalhador da área (quem dera!). R$ 30 mil é o valor cobrado por assassinos profissionais no interior do País para dar cabo da vida de um jornalista.

 Fiquei lisonjeado quando soube. Ora, pelo menos percebo que alguém nos valoriza. R$ 30 mil! É 50% a mais do que o cobrado para assassinar religiosos. Pensei em mudar de profissão. Quanto será que custa uma pistola?

* A crônica ‘Jornalista vale alguma coisa?’ foi a segunda colocada no 1º Concurso Literário Internacional ‘Escritores Malditos’ 2016, categoria crônica, da Editora Illuminare.