segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Presenciara muitas coisas na vida, mas era a primeira vez que o faquir conhecia uma serpente encantadora de flautas.


* Este conto foi o 18º colocado da terceira semana do I Prêmio Escambau de Microcontos, realizado pelo Coletivo Escambau de Arte e Cultura, e pode ser encontrado no site do coletivo.
Viviam entre sorrisos e gargalhadas, cócegas e piadas. Depois de uma vida gozando juntos, estavam convictos de que acertaram ao casar por humor.


* Este conto foi o 22º colocado da terceira semana do I Prêmio Escambau de Microcontos, realizado pelo Coletivo Escambau de Arte e Cultura, e pode ser encontrado no site do coletivo.

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Foi sua primeira e última explosão no trabalho. Demitido? Não. Até hoje é considerado o melhor camicase da história.


* Este conto foi o 20º lugar da segunda semana do I Prêmio Escambau de Microcontos, promovido pelo Coletivo Escambau de Arte e Cultura. Foram cerca de 700 textos inscritos.

Entre dois

Não queria filhos. Preferia comprar cerveja a gastar com fraldas. Por isso, vazectomizou-se. Provavelmente, se sua mulher soubesse, não teria engravidado.

* Este microconto foi o sexto colocado da primeira semana do I Prêmio Escambau de Microcontos, promovido pelo Coletivo Escambau de Arte e Cultura. Foram 694 contos inscritos. Também foi selecionado pelo 10º Microcontos de Humor de Piracicaba, promovido pela Secretaria Municipal de Ação Cultural de Piracicaba.

sábado, 1 de outubro de 2016

Toca Raul

Ao som de Tente Outra Vez, de Raul Seixas, desiste do suicídio. Sorte a dele não tocar no rádio Vá com Deus, de Roberta Miranda.

Fonte: loja Dia do Rock

* O microconto ‘Toca Raul’ foi selecionado para publicação pelo 6º Concurso de Microcontos de Humor de Piracicaba, promovido pela Secretaria Municipal de Ação Cultural de Piracicaba.

sábado, 13 de agosto de 2016

Vermelho coração

Sentado no banco de trás do carro, guiado pelo chauffeur, J. Pinto Fernandes baixou o vidro elétrico e gargalhou, após jogar um ovo podre na direção de um grupo de sem-teto, que morava sob o viaduto, por onde ele passava. O motorista até olhou pelo retrovisor, mas nada viu. Afinal, era pago para dirigir, não para ver, ouvir ou falar qualquer coisa que fosse.
Mais à frente, teve que fazer um desvio para fugir do engarrafamento provocado pela multidão de manifestantes, que Jota nem quis saber por que protestavam. Antes, porém, ainda os xingou de vagabundos. Emendaria um ‘vão trabalhar’, mas foi interrompido pela forte dor no peito que sentiu. Era infarto.
Foi levado às pressas ao hospital particular mais renomado do País, não muito longe dali. Teve atendimento prioritário e a vida salva pelos maiores especialistas em cardiologia da América Latina.
Refeito temporariamente do susto, foi avisado pelos médicos que ainda precisava ser submetido a um transplante de coração, o que poderia demorar meses, talvez anos, à espera de um doador. O problema foi resolvido em questão de minutos, o tempo de assinar alguns talões e fazer uns telefonemas. Assim, ele passou do fim ao topo da lista. Foi levado imediatamente à sala de cirurgia, que durou algumas horas. Um sucesso.
Semanas depois, estava em casa. As visitas estavam autorizadas, mas ninguém aparecia. Até aí, nenhuma surpresa. Entediado, em um desses dias, levantou-se da cama, dizendo que queria ver movimento. Caminhou até o carro e, para espanto do motorista, se sentou no banco da frente.

Bom dia, Charles disse Jota, deixando o chofer sem palavras. Charles nem imaginava que era do feitio do patrão falar com subalternos. Aliás, não lhes era nem permitido o atrevimento de dirigir a palavra ao dono da casa. Diante do titubeio do seu potencial interlocutor, Jota repetiu a saudação, e teve como resposta um tímido ‘bom dia, senhor’.
Andaram sem rumo pelas ruas da cidade, enquanto, o passageiro procurava conhecer melhor o companheiro de passeio. Até que, ao andarem sobre aquele mesmo viaduto, Jota percebeu que o grupo de sem-teto não estava mais lá.
Para, por favor  pediu Jota. O motorista atendeu prontamente, sem perceber que o patrão usava pela primeira vez na vida a expressão ‘por favor’.
Eles foram removidos daí tem umas duas semanas, patrão.
Pode me chamar de Jota, Charles. É assim que gostaria de ser tratado pelos amigos, caso os tivesse. Os olhos de Jota dirigiam-se aos casebres que já não existiam ali. Diante de suas vistas, repetiu-se a cena dos policiais retirando à força os sem-teto daquela área. Ouviu os mesmos gritos de desespero, sentiu a mesma ardência nos olhos provocada pelo gás lacrimogêneo e, na pele, as investidas com cassetetes e balas de borracha. Jota não sabia por que, mas se sentia indignado com a violência cometida contra aquelas pessoas que ele sequer conhecia. Quando não se aguentava mais em indignação, pediu que Charles o tirasse dali.
Ao passarem novamente sobre o viaduto, Jota viu a cidade como nunca havia visto: reparou que pessoas se amontoavam dentro de ônibus depenados; outras procuravam comida no lixo e outras apenas um abrigo seguro para dormir. Sentiu seu coração bater mais forte por todas elas. Não sabia dizer por que, mas, do fundo do peito, algo o impelia a voltar ao hospital onde fora submetido ao transplante.
No hospital, pediu para falar com o médico que chefiara a sua cirurgia. Foi atendido prontamente. Afinal, ostentava o sobrenome Pinto Fernandes. O médico recebeu-o, perguntando-lhe por sua saúde. Jota respondeu que, a princípio, estava saudável, mas havia algo estranho. Algo que fazia com que ele não reconhecesse mais a si próprio:
Meu coração tem batido por coisas com as quais nunca me importei: sinto indignação por atos que sempre apoiei; importo-me com pessoas por quem até então só sentia desprezo. O que está acontecendo comigo, doutor? Aliás, o que aconteceu durante aquela cirurgia?
Sua cirurgia ocorreu dentro do previsto. Não houve qualquer anormalidade.
Não pode ser. Algo deu errado. Doutor, de quem era o coração implantado em mim?
Bem, o senhor sabe que divulgar esse tipo de informação é contra a política da empresa. Mas, como tenho uma dívida eterna com a sua família, vou abrir uma exceção. – E, assim, o médico contou que, no mesmo dia da cirurgia, havia morrido um manifestante em confronto com a polícia: o professor de História da escola secundária de uma comunidade carente das redondezas. Sem família, ele deixara em documento registrado que queria ser doador.
Agora tudo fazia sentido. Ou não. Na verdade, nada daquilo fazia sentido. Atordoado, Jota saiu correndo do hospital e pediu que seu amigo Charles o levasse para casa. No caminho, Jota ainda parou numa banca e comprou todos os jornais das últimas semanas.
No carro, a caminho de casa, leu tudo o que havia sido publicado sobre seu doador de coração. Não era muita coisa: nome, idade, profissão e que trajava calça jeans e camisa preta sem estampa no dia em que morrera. Um dos jornais dizia que o professor era uma liderança comunitária, conhecida por organizar protestos como aquele.
Ao chegar à sua casa, Jota agradeceu ao motorista e disse que este poderia descansar, já que não precisaria mais de seus serviços. No quarto, Jota revirou o guarda-roupa, até encontrar uma calça jeans desbotada e uma camisa preta sem estampa, que até achava que haviam sido jogadas no lixo anos atrás. Vestiu-se e pôs uma mochila nas costas. Dentro da mochila, havia uma muda de roupa, uma máscara e uma garrafa d’água sem rótulo. Saiu pela porta dos fundos de casa. Decidiu ouvir de vez seu coração, que o empurrava para as ruas. Empunhou uma bandeira em mãos e seguiu em frente.


* Selecionado para publicação em livro pelo CONCURSO NACIONAL DE CONTOS DE SANTO ÂNGELO (RS)

domingo, 10 de julho de 2016

Poema esdrúxulo

saiu do facebook e foi à via pública

trajava calça jeans e blusa preta básica

seu rosto era pintado em estilo gótico

mas preferiu guardá-lo atrás de uma máscara

cantou e caminhou com a multidão de anônimos

gritou palavras de ordem no seu tom colérico

empunha uma bandeira megalomaníaca

e também um cartaz com uma frase irônica

a marcha foi contida a menos de um quilômetro

da entrada principal do Palácio Monárquico

deparou-se com a tropa e seu aparato bélico

com balas de borracha e spray de ardente líquido

escudos, cassetetes e bombas legítimas

que provocavam dor e instalavam o pânico

voltou-se contra aquele governo despótico

quebrou os vidros com um paralelepípedo

foi presa e enquadrada como sendo vândala

e apareceu de noite em programa fantástico

reparou que vivia situação esdrúxula

condenada à torturante pena máxima

de ver a reeleição de um desgoverno histórico

aliado a um congresso de antibióticos

preferia acabar como presa política

a apoiar ditadores fugidos do cárcere

* ‘Poema Esdrúxulo’ foi selecionado para publicação pela I Mostra Nacional de Poesia da Reforma Agrária "Versando Rebeldia" do Festival de Arte e Cultura da Reforma Agrária.

quarta-feira, 22 de junho de 2016

Resultado do Concurso Literário Aldenor Pimentel 2016

Poesia (Adulto: a partir de 18 anos)
1º lugar: Calo no Pé (Gabriel Alencar)
2º lugar: Garimpo (Don)
3º lugar: Amor Guardado (Eden Picão)

Conto
1º lugar: O Homem que Tentou Fugir com a História (Marcelo Perez)
2º lugar: Garimpeiro (Ricardo Dantas)

3º lugar: Um Dia de Chuva (Gabriel Alencar)

Ao todo, foram 21 inscritos. Não houve inscrições nas modalidades Poesia (Categoria Infantojuvenil: até 17 anos) e Videopoesia.

A premiação será realizada no dia 7 de julho de 2016, a partir das 21 horas, no Centro Amazônico de Fronteiras, em Boa Vista, durante o XV Intercom Norte (Congresso de Ciências da Comunicação na Região Norte).

Os finalistas do concurso receberão prêmios em dinheiro, livros e/ou vale-livros, e ainda um exemplar da antologia editada com todos os contos e poemas premiados, e textos literários de convidados.

domingo, 5 de junho de 2016

Concurso Literário Aldenor Pimentel - inscrições encerradas

Ao todo, 21 inscritos. Entre eles, literatura de Rorainópolis e Amajari.

Agora é com a Comissão Avaliadora.

A premiação será no dia 7 de julho na UFRR.

Os finalistas serão comunicados com antecedência.

sábado, 16 de abril de 2016

Regulamento do Concurso Literário Aldenor Pimentel 2016

Regulamento
Concurso Literário Aldenor Pimentel 2016

1.      DOS OBJETIVOS
1.1.   O Concurso Literário Aldenor Pimentel 2016, evento promovido pelo Espaço Cultural Harmonia e Ritmo, como parte da programação do Festival Literário Harmonia e Ritmo, tem por objetivo incentivar a produção literária em Roraima e descobrir novos talentos da literatura no Estado;
1.2.   O Concurso Literário é uma homenagem a Aldenor Pimentel, jornalista, roraimense, doutorando em Comunicação, poeta, escritor, cineasta, militante e consultor na área da cultura. Aldenor Pimentel recebeu mais de dez prêmios e menções honrosas em concursos nacionais de contos e poemas e é autor do livro Deus para Presidência (2015);
1.3.   Esta edição homenageia ainda a professora e coreógrafa que introduziu a dança de salão em Boa Vista, em 1992. Isabel Santos já apresentou espetáculos dentro e fora do Estado, além de participar, com o projeto Tango Magia, do Campeonato Mundial de Tango, na Argentina.
2.      DAS PARTICIPAÇÕES
2.1.   Poderão concorrer autores residentes em Roraima, independente de nacionalidade, com obras inéditas, com temática livre, em Língua Portuguesa, desde que observem as particularidades de cada modalidade e categoria;
2.2.   A publicação em blogs pessoais e redes sociais não invalida o ineditismo;
2.3.   As obras da modalidade Videopoesia estão dispensadas da obrigatoriedade de ineditismo;
2.4.   Fica vetada a participação de membros das Comissões Organizadora e Julgadora.
3.      DAS MODALIDADES E CATEGORIAS
3.1.   Modalidade Poesia:
3.1.1.     Categorias: Infantojuvenil (até 17 anos de idade); e Adulto (a partir de 18 anos de idade);
3.2.   Modalidade Conto:
3.2.1.     Categoria: única, independente da idade;
3.3.   Modalidade Videopoesia
3.3.1.     Categoria: única, independente da idade.
4.      DAS INSCRIÇÕES
4.1.   As inscrições estarão abertas de 1º a 30 de maio 4 de junho de 2016, às 23h59;
4.2.   Somente serão aceitas inscrições via correio eletrônico, endereçadas a aldenorpimentel@gmail.com, com o texto literário escrito em anexo, em formato .doc ou .docx, no caso das modalidades Poesia e Conto;
4.3.   No caso da modalidade Videopoesia, deve ser enviado o link do vídeo em sites como youtube, vimeo, etc.
4.3.1.     O poema apresentado no videopoema deve ser exclusivamente de autoria de Aldenor Pimentel (ver anexo);
4.3.2.     O videopoema deve conter os créditos do texto literário e da equipe participante no vídeo, inclusive da locução e da trilha sonora, se houver;
4.4.   No corpo do e-mail, deve ser informado: título do trabalho (poema, conto, videopoema), nomes completo e artístico do(a) contista/poeta/diretor(a), modalidade e categoria, data do nascimento, RG, endereço completo, telefone de contato e currículo ou texto de apresentação resumido;
4.5.   Cada participante só poderá concorrer com um único trabalho em cada modalidade;
4.6.   Os poemas devem ter até 40 versos (linhas) e os contos, até 5.000 (cinco mil) caracteres, com espaço.
5.      DA AVALIAÇÃO
5.1.   Não caberá recurso à decisão da Comissão Julgadora;
5.2.   A Comissão Julgadora poderá conceder Menção Honrosa para um ou mais trabalhos, se assim julgar necessário;
6.      DO RESULTADO E DA PREMIAÇÃO
6.1.   O resultado será divulgado por e-mail aos inscritos em data anterior à premiação;
6.2.   Será concedida premiação aos três primeiros colocados de cada categoria;
6.3.   A premiação consistirá na entrega de certificado e um kit de livros e/ou vale-compras em livraria, em valores estipulados pela Comissão Organizadora;
6.4.   A premiação será realizada, em Boa Vista-RR, provavelmente no dia 7 de julho de 2016;
6.5.   Os trabalhos vencedores poderão ser apresentados, no todo ou em parte, na noite de premiação, pelo(a) autor(a) ou por terceiros, indicados pela Comissão Organizadora.
7.      DISPOSIÇÕES GERAIS
7.1.   A inscrição implica automaticamente a aceitação das condições deste regulamento, bem como a autorização para a publicação das obras inscritas em quaisquer suportes que a Comissão Organizadora julgar conveniente. Portanto, o(a) autor(a) assume total responsabilidade pela autoria, podendo responder por plágio, cópia indevida e demais crimes previstos em lei, inclusive por trilhas sonoras e imagens usadas indevidamente nos videopoemas;
7.2.   Os premiados concordam e permitem a divulgação de seus nomes e imagens para a divulgação do concurso, sem qualquer ônus para os realizadores;
7.3.   Caso haja publicação em forma de livro dos textos literários finalistas deste concurso, cada autor publicado receberá, a título de direito autoral, um exemplar da antologia;
7.4.   O não cumprimento de qualquer item do regulamento implicará desclassificação automática da obra inscrita;
7.5.   A Comissão Julgadora poderá não atribuir qualquer dos prêmios desde que considere haver falta de qualidade nos trabalhos apresentados;
7.6.   Os casos omissos serão resolvidos pela Comissão Organizadora.

Anexo: Poemas de Aldenor Pimentel publicados
1.      Herança Negra
1.1.   Selecionado para publicação, no livro Poesia Todo Dia, pelo concurso cultural Poesia Todo Dia, realizado em 2013 pela editora AlphaGraphics.
1.2.   Menção honrosa do XI Prêmio Literário Galinha Pulando (2014), realizado pelo escritor Valdeck Almeida de Jesus, sendo selecionado para publicação: http://www.perse.com.br/novoprojetoperse/BSU_Data/Books/N1420918014501/Amostra.pdf;
2.      Êxodo
2.1.   Selecionado para publicação pelo projeto Folhinha Poética 2015: https://www.dropbox.com/s/tcw4zgxpvnde73a/matriz%202015.pdf?dl=0.
3.      Poema de sacanagem
3.1.   Selecionado para publicação, pelo X Prêmio Literário Valdeck Almeida de Jesus, no livro ‘Prêmio Literário Valdeck Almeida de Jesus – 2013: https://www.dropbox.com/s/tcw4zgxpvnde73a/matriz%202015.pdf?dl=0
3.2.   Publicado na Revista Pacheco: http://revistapacheco.blogspot.com.br/2014/06/cafe-literario-poema-de-sacanagem.html;
3.3.   Uma versão ampliada do poema foi publicada ainda no livro Retalhos II, organizado por Aroldo Pinheiro.
4.      Sem Razão
4.1.   Selecionado para publicação no site da Revista Philos: camaracartonera.wordpress.com/2016/01/10/poesia-lusofona-sem-razao-de-aldenor-pimentel.


Obs.: todos esses poemas podem ser encontrada no blog artedealdenorpimentel.blogspot.com

Baixe a versão do regulamento em pdf.

quinta-feira, 17 de março de 2016

Um Dia Coletivo



Sinopse: Joselma acorda cedo e volta tarde para casa. Nesse meio tempo, passa diversas horas dentro de ônibus ou a espera deles. E não está só nessa viagem nada tranquila.

Ficha técnica:
Direção, som, imagens, montagem e arte final: Aldenor Pimentel
Música: Sinfonia N. 9, de Ludwig van Beethoven

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Olhar


Eles andavam nus. Sempre andaram. E nada de errado viam nisso. Olhar o corpo nu do outro era tão corriqueiro e puro como contemplar o pôr do sol ou responder a um sorriso com outro.

Naquele povoado, não havia escrita, não havia papel. Tudo que aprendiam registravam no próprio corpo. Tatuavam na pele sinais de fácil compreensão. E aprendiam uns com os outros pelo olhar. Os corpos nus eram como livros abertos, prontos para serem lidos. Assim, tudo era partilhado e nenhum saber se perdia.

Quando alguém morria, repetia-se o ritual. O corpo era exposto na praça central e todo o povoado se reunia para ver. Passavam dias e dias olhando o corpo exposto, até terem certeza de que nenhum sinal tatuado passara despercebido por ninguém. Em seguida, cobriam todo o corpo com fibras de uma árvore e o enterravam onde não pudesse ser visto. Depois de uma vida inteira, sua missão estava cumprida.

Com o tempo, o inevitável contato com outros povos aconteceu. Um deles em especial, que se instalou pelas redondezas, cobria-se dos pés à cabeça. Não se olhavam nos olhos. Aliás, não se olhavam. Acreditavam que todo olhar era invasivo e, por isso, deveria ser evitado.

Pouco a pouco, os mais jovens daquele povoado passaram a sentir vergonha do próprio corpo. Começaram a esconder as partes íntimas, as pernas, o tórax, o abdômen e, no final, já cobriam o corpo todo. Quando, entre eles, alguém por deslize deixava à mostra algum pedaço de pele, os demais desviavam o olhar. E se o distraído não se emendasse, voltando à mesma conduta, era duramente repreendido.

O conhecimento daquele povo, preservado por gerações e gerações, estava ameaçado. Eles já não aprendiam nada novo. E, assim, a extinção de todos eles parecia tão certa quanto o apagamento para sempre dos sinais tatuados, em um passado distante, no corpo dos mais velhos.

Quando morreu o mais ancião dos seus anciões e um grupo já preparava o enterro em um caixão lacrado, um dos jovens decidiu não fechar os olhos para o que acontecia. Ao cair em si, rasgou as próprias vestes, ficando nu diante de seus pares. Aos olhos que o evitavam, gritou para que todos ouvissem:

— Amigos, olhem aqui: sempre andamos nus e isso nunca nos pareceu feio ou sujo. De uma hora para outra, fomos convencidos de que devemos sentir vergonha do nosso corpo e de que nos olhar mutuamente é repulsivo. Com isso, deixamos de aprender com o outro e com tudo aquilo que o nosso corpo tem a oferecer. Assim, negamos a nós próprios. Desfiguramo-nos. Tornamo-nos irreconhecíveis.

Envergonhados, não mais por causa do próprio corpo, mas pelo comportamento que tiveram nos últimos tempos, despiram-se todos, deixando à mostra corpos vazios de tatuagens. Juntos, tiraram de dentro do caixão o corpo do ancião. Toda sua pele estava tatuada. Ao vê-lo, deram-se conta do quanto ele era sábio e do quanto perderiam se o enterrassem sem lê-lo.

Fizeram o ritual. Todo o povoado reunido olhava cada detalhe do corpo do ancião coberto de tatuagens. Como era de se esperar, dessa vez o ritual demorou mais do que o costume. Afinal, havia muito que aprender, ainda mais depois de tanto tempo sem exercitar o olhar para o outro.

Naquele dia, aprenderam muitas coisas. Principalmente, que nunca mais deveriam se envergonhar de quem eram. Nos olhos de cada um, era possível ler o quanto estavam felizes por ainda viverem e do quanto estavam certos de que só estavam vivos porque não deixaram de ser eternos aprendizes. 

O conto ‘Olhar’ foi selecionado para publicação na primeira edição on-line da Revista Philos.


** Este e outros contos estão na obra Livrinho da Silva. Para aquirir o livro, clique aqui.
Leia outros contos do mesmo autor:
Novos Franciscos
Vermelho coração