sexta-feira, 30 de março de 2018

Anel de Lata

Quando criança, ele colocava no dedo um lacre de lata de refrigerante e brincava que era seu anel de doutor. Décadas depois, após receber o diploma de médico, no fim da cerimônia de formatura, sua mãe lhe pôs em um dos dedos um anel dourado com uma pedra esverdeada. A mulher ostentava um vestido simples, mas digno, e o orgulho de ver Lázaro se tornar o primeiro médico da família.

Na hora, ouviam-se risos de galhofa vindos da primeira fileira do auditório, onde estavam os mais novos médicos da cidade, de beca, por cima de black ties feitos sob medida. Eram os mesmos que no primeiro dia de aula na faculdade riram de Lázaro, por ser ele o único da turma a não trajar jaleco branco e ainda chegar à sala com respingos de cimento na calça jeans surrada.

Na saída da cerimônia, lá estavam reunidos os mesmos de sempre. Quando Lázaro e sua mãe passaram próximo ao grupo, uma voz perguntou capciosamente:

— Lázaro, e aquele anel... é de ouro ou de lata?

A pergunta foi seguida de uma longa gargalhada geral da turma. Lázaro olhou a mãe, visivelmente constrangida. Olhou o anel que acabara de ganhar e viu nele o reflexo de si próprio ao lado dela. Aquela imagem, na sua cabeça, se fundiu à outra, do passado: o jovem enxergou-se, ainda criança, acordando cedo para ir à escola com a mãe. O colégio ficava a quilômetros de casa. Lázaro passava o dia todo lá. Antes de anoitecer, ela voltava para pegá-lo, na mesma bicicleta adaptada para coletar latas de alumínio. Depois de um longo dia de trabalho, o meio de transporte e sustento da família estava repleto de latinhas.

Lázaro subia no guidão e, ao longo do trajeto, contava empolgado o que aprendera naquele dia. Em casa, ajudava a amassar as latinhas que a mãe vendia para a reciclagem.

Foi graças a esse dinheiro que Lázaro ganhou seu primeiro tênis, seu primeiro caderno e comeu salada pela primeira vez. Foi com aqueles trocados que ele pôde pagar, por anos, o ônibus para frequentar o Ensino Médio e depois garantir a inscrição no vestibular e comprar os livros recomendados pelos professores da graduação.

Inegavelmente, a lata fazia parte de sua vida mais do que ele pensava: estava em tudo o que Lázaro tinha, sabia e havia se tornado. Ia além dos copos de alumínio que sua mãe fabricava artesanalmente para juntos tomarem café todas as manhãs. Não fossem as duas, sua mãe e a lata, Lázaro não teria chegado tão longe.

Com a pergunta do “colega” a lhe martelar a mente, ele segurou forte a mão da mãe e ergueu a cabeça. Olhou nos olhos daquele que lhe perguntava se seu anel era de ouro ou de lata e respondeu:

— É de lata, com muito orgulho!

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